1913-1919

1913-1919 : autorizações concedidas para a realização das romarias

Sumário

O Livro de Registo de Licenças para Actos Religiosos (n°367) do Fundo do Governo Civil de Ponta Delgada apresenta, entre 1913 e 1919, um registo de 35 autorizações referentes à prática dos Romeiros de São Miguel. Em 1913, quatro autorizações foram concedidas. O ano seguinte conta com nove autorizações. Em 1915 houve seis autorizações e em 1919 dezasseis. No entanto, não há referência de pedido ou concessão de autorizações durante os anos de 1916, 1917 e 1918. Neste contexto, é preciso não esquecer que Portugal entrou na Grande Guerra em 1916 e que o porto de Ponta Delgada, a partir dos finais de 1917, tornou-se numa base naval norte-americana, o que provavelmente explica a ausência de documentos.

Possuir a autorização oficial para a realização das romarias era uma exigência já existente no século XIX e que se prolongou durante o século XX. Todo o tipo de manifestação de ordem pública realizava-se sob o controlo do governo civil. Num estado repressivo, como o do Estado Novo, o pedido de autorização aparece como um facto normal. É de salientar, igualmente, que as romarias não se encontravam ainda oficializadas pela Igreja, sendo consideradas como uma prática autónoma e marginal, realizadas fora do contexto religioso e institucional. Esta autonomia encontra-se bem patente no livro de registo de licenças para actos religiosos. Neste livro, é importante sublinhar que os pedidos de licença referentes às romarias não são feitos pelos padres, mas sobretudo pelos próprios romeiros, pelos mestres ou responsáveis do rancho.

Segundo vários testemunhos orais da ilha (mestres e romeiros) o pedido de licença para passar por Ponta Delgada foi obrigatório durante toda a primeira metade do século XX. Com esta licença, o rancho podia passar, sem problemas, pela capital. No entanto, os ranchos que não possuíam licença evitavam a passagem por Ponta Delgada. As explicações dadas pelas testemunhas orais sobre esta proibição de passagem divergem. Para Adriano Couto de Medeiros (mestre do rancho de romeiros dos Arrifes), ela justifica-se pelo medo e receio dos habitantes, face aos Romeiros encarados como pessoas vestidas de forma estranha e de bordões na mão, suscitando sobretudo desconfiança do que compaixão. José João de Medeiros (antigo romeiro do rancho de Ponta Garça), conta que nas vilas e freguesias onde não saíam ranchos de romeiros, a pernoita nestes lugares era tarefa difícil e a passagem em silêncio nestas vilas e freguesias era reomendada pelo mestre do rancho. Esta observação é confirmada por Francisco Maria Supico no artigo « Romagens e Romarias » do volume I do seu livro Escavações. De facto, este autor explica que nas vilas os Romeiros entram calados, tendo antes mostrado ao administrador do concelho a licença obtida pela autoridade administrativa do distrito. O antigo romeiro João José de Medeiros acrescenta que a passagem por Ponta Delgada e Ribeira Grande devia ser feita com grande cuidado e quase que de forma invisível, despercebida, a fim de evitar escarnecimentos e troças aos romeiros. António Freitas da Câmara – Tabico (mestre do rancho de Romeiros de São Miguel de Toronto) associa a proibição ao aspecto « pitoresco » desta forma de devoção, rejeitada e desprezada pelas elites, pelos « nobres », designação dada pelos informadores. Ele acrescenta, ainda, que os romeiros que atravessavam a cidade de Ponta Delgada eram obrigados a cobrir a cabeça com o xaile. Fernando Maré (antigo mestre do rancho de romeiros da Ribeira Seca da Ribeira Grande) confirma que esta condição imposta aos romeirso existia ainda em 1959.

Bibliografia

Fundo do Governo Civil de Ponta Delgada, Livro de Registo de Licenças para Actos Religiosos passados por este Governo Civil, 2a Repartição, Livro n° 367, 1913-1919 (06/02/1913-08/04/1919). fls. 1-7. Ce livre de cinquante pages ne comporte que sept pages remplies avec les diverses autorisations concédées.

SUPICO, Francisco Maria. Romeiros e Romagens. In Escavações. Vol. I, Ponta Delgada : Instituto Cultural de Ponta Delgada, Coingra, Lda., 1995. p. 59.

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Fundo do Governo Civil de Ponta Delgada, Livro de Registo de Licenças para Actos Religiosos passados por este Governo Civil, 2a Repartição, Livro n° 367, 1913-1919 (06/02/1913-08/04/1919). 50 fls, fls. 1-7.

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